Na pandemia, empresários querem reduzir salários de jornalistas em até 70%

Proposta envolve publicações da cidade de São Paulo; sindicato afirma que patrões deixaram percentual de redução em aberto e isso vai prejudicar trabalhador

Jornalistas acompanham entrevista dos ministros Damares Alves e Sérgio Moro durante quarentena | Foto: Marcello Casal Jr.Jornalistas responsáveis por informar a população sobre a Covid-19 andam trabalhando mais do que de costume e, muitas vezes, se arriscando nas ruas em busca de histórias em plena pandemia. Mesmo assim, os proprietários de veículos de comunicação de São Paulo estão querendo reduzir seus salários em até 70%.

Na cidade de São Paulo, o Sindjore (Sindicato dos Jornais e Revistas de São Paulo) dos jornais e revistas, que representa os interesse dos donos, enviou ao Sindicato dos Jornalistas uma proposta: reduzir a carga horária e os salários com base em medida aprovada pelo governo. No entanto, não há determinação específica do percentual a ser aplicado, deixando em aberto de quanto será a perda real para o trabalhador.

A ação tem como base as MPs (Medidas Provisórias) 927 e 936, assinadas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em resposta à crise econômica imposta como efeito colateral do coronavírus. Entre os pontos, as empresas ficam possibilitadas de suspender os contratos de trabalho e não precisam mais pagar multa caso atrasem os salários. Nela, está a possibilidade de reduzir jornada e salários em até 70%.

Os jornais Folha de São Paulo, Agora São Paulo (ambos do Grupo Folha) e Estado de São Paulo, e as editoras Caras e Abril, dona da Veja, entre outros, são algumas que integram o sindicado patronal da capital paulista. Parte deles, como Folha e Estadão, estão com a maior parte de suas redações em trabalho home office.

De acordo com o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo, a tentativa é reduzir salários com os profissionais trabalhando mais do que o de costume. “Estão tirando a possibilidade de as pessoas registrarem seu ponto de trabalho, não se controla o tempo de serviço, enquanto querem o acordo de reduzir trabalho e os pagamentos. Na prática, há redução apenas de salário”, critica o presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Paulo Zocchi.

Os jornalistas temem que o impacto, de fato, seja sentido. A Ponte conversou com profissionais dos jornais Folha e Estadão e a preocupação é diferente: enquanto os primeiros não têm informações sobre o que poderá ser feito em relação aos salários, os demais estão cientes da proposta, ainda que nada tenha sido registrado no papel.
“O que foi falado é que o Estadão vai reduzir 25% da jornada de trabalho e dos salários, mas não estava no papel da proposta. A enviada pelo sindicato patronal deixava em aberto e, assim, pode ser de até 70%, como está na MP”, afirmou um jornalista da publicação.

A fala ocorreu em reunião online do chefe de redação e a chefia jurídica do jornal com os repórteres, conversa que durou cerca de duas horas. O jornalista que conversou com a Ponte destacou que o veículo se preocupou com os funcionários e “todos estão de trabalho home office”. Ainda disponibilizou equipamentos de proteção, caso algum deles tenha que fazer alguma cobertura na rua.

Na Folha, um profissional detalhou que não havia nenhuma notícia ou indicativo de que o jornal reduziria os pagamentos, ainda que a empresa integre o sindicato patronal que fez a proposta de até 70%. “Estamos apreensivos pelo que vemos no Estadão. Aqui, por enquanto, nada”, disse.

“Preocupa porque soubemos que foi um dos piores meses em anúncios e sabemos que, sem anúncio, a chance de ter demissão é grande. Estamos no escuro, aguardando o que virá”, prossegue o jornalista.

Segundo ele, o veículo não agiu de forma imediata à pandemia. “Compraram umas máscaras, mas não foi bem no começo. O pessoal trabalhou um tempo sem equipamentos corretos”, afirma. A mudança da redação para o home office ocorreu após um funcionário do setor administrativo ser diagnosticado com coronavírus. “A partir daí, aceleraram o processo”, cita.

Apresentada aos profissionais nesta quarta-feira (15/4), a proposta de redução de até 70% dos salários foi recusada por unanimidade. Há empresas, como o Estadão, que afirmaram aos jornalistas que, em caso de negativa da proposta, as negociações seriam individuais, prevista na MP e mantida pela decisão do STF.

Nesta sexta-feira (17/4), o STF (Supremo Tribunal Federal) votou a questão e manteve a possibilidade de os acordos individuais serem definidos sem aval dos sindicatos, como prevê a MP 936. Agora, resta apenas ao Congresso Nacional votar se aprova ou não a manutenção da medida que, até esta definição, segue em vigor.

Outras empresas afetadas pela pandemia já demitem profissionais. Dois jornalistas do Diário Lance!, veículo que cobre esportes, foram demitidos nessa quinta-feira (16/4). “Disseram que a receita diminuiu 70% e demitiram quem afetaria menos na receita da família. Ficariam ao máximo com quem tem filhos, por exemplo”, explica um dos profissionais à Ponte.

Jornalista morreu por coronavírus no Rio

Editor de imagens no SBT do Rio de Janeiro, José Augusto Nascimento Silva estava indignado com o que ele definiu como negligência da empresa com profissionais com suspeita da doença e decidiu enviar áudios pelo WhatsApp para colegas fazendo a queixa. Na segunda-feira (13/4), Silva morreu da doença.

“Nenhum lugar no Rio de Janeiro tem mais casos suspeitos que no SBT. Eu agora estou sob suspeita, inclusive com atestado de 14 dias que o doutor deu porque me calcei, sabe que não sou burro. Se tiver que processar essa turma, eu vou processar. Acho de uma irresponsabilidade tremenda”, reclamava, em um trecho do áudio.

Segundo o jornalista, outros profissionais que estariam com sintomas da doença eram obrigados a seguir no serviço normalmente. O marido de uma jornalista estava infectado e a emissora só a afastou depois de ele estar internado na UTI. Após isso, 35 profissionais foram afastados com coronavírus, entre eles José Augusto.

A Ponte solicitou à Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) e a ANJ (Associação Nacional de Jornais) posicionamento sobre as iniciativas de redução salarial, questionou se concordavam com a medida e quais direcionamentos enviados aos seus associados. Nenhuma entidade respondeu o pedido até a publicação desta reportagem.

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